Arcebispo de Porto Alegre recomenda leitura de documento sobre sistema econômico-financeiro atual

04 de Junho de 2018

 

Segundo informações da Arquidiocese de Porto Alegre (RS), Dom Jaime Spengler, arcebispo da capital gaúcha, pediu às comunidades de lá que compartilhassem material fornecido pelo Vaticano, a fim de se tornar mais um subsídio e para que todos possam estar em consonância com a Igreja, que quer o bem comum e prima para que nossa sociedade seja mais igualitária e justa.


Trata-se de um documento recente da Congregação para doutrina da fé, que está disponível no site oficial da Santa Sé (vatican.va): Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro. Isto é, indicações sobre este tema em no cotidiano de todas as pessoas. Este texto é baseado em várias cartas apostólicas, e que atua sobre a moral, a ética e o valor do ser humano, suas relações comerciais e tudo o que implica no que chamamos de responsabilidade social.

 

Os redatores do site da arquidiocese de Porto Alegre lembram: “A Igreja constantemente renova seus estudos e indicações para que os católicos, no mundo todo, possam estar sempre cientes de suas obrigações em tudo o que se vive. Para que o católico seja coerente com sua fé, e busque na Igreja o esteio para suas crenças e luz para tudo o que permeia seu convívio social“.

 

O Documento


Assinado pelo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fè, Dom Luis F. Ladaria, S.I, e pelo cardeal Peter Card. Turkso, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral e os respectivos secretários desses Dicastérios, por dom Giacomo Morandi e Bruno Marie Duffé, o documento foi publicado no dia 6 de janeiro deste ano, na Festa da Epifania.

 

A estrutura é bastante simples, mas o texto é relativamente extenso com 34 grupos de parágrafos. Distribuído em 4 partes (Introdução, duas partes centrais e uma conlcusão), o documento destaca traz considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro levando em conta algumas questões de fundo e faz aplicações no contexto atual.

 

Alguns destaques:

 

A promoção da pessoa é o horizonte do bem comum


As temáticas econômicas e financeiras, nunca como hoje, atraem a nossa atenção, pelo motivo da crescente influência exercitada pelo mercado em relação ao bem-estar material de boa parte da humanidade. Isto requer, de uma parte, uma adequada regulação de suas dinâmicas, e de outra, uma clara fundamentação ética, que assegure ao bem-estar conseguido uma qualidade humana das relações que os mecanismos econômicos, sozinhos, não podem produzir. Semelhante fundamentação ética é hoje pedida por muitos, especialmente por aqueles que operam no sistema econômico-financeiro. Especificamente neste âmbito, se torna evidente a necessária harmonia entre o saber técnico e a sabedoria humana, sem a qual todo o agir humano termina por deteriorar-se. Ao contrário, só com esta harmonia, pode-se progredir numa via de um bem-estar para o homem que seja real e integral (n.1).

 

A promoção integral de cada pessoa, de cada comunidade humana e de todos os homens, é o horizonte último daquele bem comum que a Igreja si propõe de realizar como «sacramento universal de salvação». Nesta integralidade do bem, cuja origem e cumprimento últimos estão em Deus, e que plenamente revelou-se em Jesus Cristo, recapitulador de todas as coisas (cf. Ef 1, 10), consiste o objetivo último de cada atividade eclesial. Tal bem floresce como antecipação do reino de Deus que a Igreja é chamada a anunciar e a instaurar em cada âmbito da iniciativa humana; e é fruto peculiar daquela caridade que, como via mestra da ação eclesial, é chamada a exprimir-se também no amor social, civil e político. Este amor manifesta-se «em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não só as relações entre os indivíduos, mas também “as macrorrelações como relações sociais, econômicos, políticos”. Por isso, a Igreja propôs ao mundo o ideal duma “civilização do amor”». O amor ao bem integral, inseparavelmente do amor pela verdade, é a chave de um autêntico desenvolvimento (n.2).

 

O dinheiro deve servir e não governar


A recente crise financeira poderia ter sido uma ocasião para desenvolver uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira, neutralizando os aspectos predatórios e especulativos, e valorizando o serviço à economia real. Embora muitos esforços positivos tenham sido realizados em vários níveis, sendo os mesmos reconhecidos e apreciados, não consta porém uma reação que tenha levado a repensar aqueles critérios obsoletos que continuam a governar o mundo. Antes, parece às vezes retornar ao auge um egoísmo míope e limitado a curto prazo que, prescindindo do bem comum, exclui do seus horizontes a preocupação não só de criar, mas também de distribuir a riqueza e de eliminar as desigualdades, hoje tão evidentes (n.5).

 

Está em jogo o autêntico bem-estar da maior parte dos homens e das mulheres do nosso planeta, os quais correm o risco de serem confinados de maneira crescente sempre mais às margens, se não de serem «excluídos e descartados»do progresso e do bem-estar real, enquanto algumas minorias desfrutam e reservam somente para si ingentes recursos e riquezas, indiferentes à condição dos demais. É por isto que chegou a hora de dar continuidade a uma retomada daquilo que é autenticamente humano, de alargar os horizontes da mente e do coração, para reconhecer com lealdade aquilo que provêm das exigências da verdade e do bem, sem a qual cada sistema social, político e econômico está destinado no longo prazo a falir e a implodir. É muito claro que em último termo o egoísmo não paga, mas bem faz pagar a todos um preço muito alto; por isto, se queremos o bem real para os homens, «o dinheiro deve servir e não governar!»(n.6).

 

Ética amiga da pessoa


Cada realidade e atividade humana, se vivida no horizonte de uma ética adequada, isto é, no respeito à dignidade humana e orientando-se para o bem comum, é positiva. Isto vale para todas as instituições as que dá vida a sociabilidade humana e também para os mercados, em cada nível, compreendidos aqueles financeiros.

 

A este propósito, ocorre sublinhar que também aqueles sistemas aos que dão vida os mercados, antes ainda que regular-se em dinâmicas anônimas, elaboradas graças a tecnologias sempre mais sofisticadas, fundam-se em relações que não poderiam serem instauradas sem o envolvimento da liberdade dos homens singulares. É claro, então, que a economia mesma, como cada outro âmbito humano, «tem necessidade da ética para o seu correto funcionamento; não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa»(n.8).

 

Resulta portanto evidente que sem uma adequada visão do homem não é possível fundar nem uma ética, nem uma práxis à altura da sua dignidade e de um bem que seja realmente comum. De fato, mesmo que se considere neutra ou avulsa de qualquer concepção de fundo, cada ação humana – também no âmbito econômico – implica sempre uma compreensão do homem e do mundo, que revela ou não a sua positividade através dos efeitos e do desenvolvimento que produz (n.9).

 

Prática deplorável


O fenômeno inaceitável sob o ponto de vista ético não é o simples ganhar, mas o aproveitar-se de uma assimetria para a própria vantagem, criando notáveis ganhos a dano de outros; é lucrar desfrutando da própria posição dominante com injusta desvantagem do outro ou enriquecer-se gerando dano ou perturbando o bem-estar coletivo.

 

Tal prática resulta particularmente deplorável do ponto de vista moral, quando a mera intenção de ganhar da parte de poucos – que em geral costumam ser importantes fundos de investimento – especula para provocar uma artificiosa queda dos preços de títulos da dívida pública e não toma cuidado em influenciar negativamente ou em agravar a situação econômica de inteiros países. Estas práticas colocam em perigo não somente projetos públicos de melhoramento, mas a própria estabilidade econômica de milhões de famílias, obrigando ao mesmo tempo as autoridades governativas a intervir com relevante quantidade de dinheiro público. Tais ações chegam a alterar artificiosamente o correto funcionamento dos sistemas políticos (n.17).

 

Intoxicação do mercado


O mercado, graças aos progressos da globalização e da digitalização, pode ser comparado a um grande organismo, em cujas veias correm, como linfa vital, grandíssima quantidade de capitais. Levando em consideração esta analogia, podemos então falar de uma “saúde” de tal organismo, quando os seus meios e instrumentos realizam uma boa funcionalidade do sistema, cujo crescimento e difusão da riqueza caminham harmonicamente. Uma saúde do sistema que depende de saudáveis ações singulares que são realizadas. Na presença de uma semelhante saúde do sistema-mercado é mais fácil que sejam respeitados e promovidos também a dignidade dos homens e o bem comum.

 

Correlativamente, todas as vezes que são introduzidos e difundidos instrumentos econômico-financeiros não confiáveis, os quais colocam em sério perigo o crescimento e a difusão da riqueza, criando também criticidade e riscos sistemáticos, pode-se falar de uma “intoxicação” daquele organismo (n. 19).

 

Necessidade de Compliance


Hoje os principais sujeitos que operam no mundo financeiro, e especialmente os bancos, devem ser dotados de organismos internos que garantam uma função de compliance, ou seja, de auto-controle da legitimidade dos principais passos do processo decisional e dos maiores produtos oferecidos pela empresa. Todavia, ocorre destacar que, pelo menos até um passado muito recente, a prática do sistema econômico-financeiro com frequência foi fundada substancialmente em uma concepção meramente “negativa” da compliance, isto é, em um obséquio meramente formal dos limites estabelecidos pelas leis vigentes. Infelizmente, disto derivou também a frequente prática que tende de fato a fugir dos controles normativos, isto é, a prática de ações voltadas a manipular os princípios normativos vigentes com a preocupação de não contradizer explicitamente as normas que os exprimem, com o objetivo de não sofrer as sanções.

 

Para evitar tudo isto, é então necessário que o juízo de compliance entre no mérito das diversas operações também de modo “positivo”, verificando a efetiva correspondência delas aos princípios que constituem a normativa vigente. Tal função de compliance, na opinião de muitos, se facilitaria com a instituição de Comissões éticas, que operem junto aos Conselhos de administração. Estas constituiriam um natural interlocutor daqueles que devem garantir, no concreto operar do banco, a conformidade de comportamentos às normativas existentes (28).

 

Conclusões


 Diante da imponência e difusão dos contemporâneos sistemas econômico-financeiros, poderemos ser tentados a cedermos ao cinismo e a pensar que com as nossas pobres forças podemos fazer bem pouco. Na realidade, cada um de nós pode fazer muito, especialmente se não permanece só.

 

Numerosas associações provenientes da sociedade civil representam neste sentido uma reserva de consciência e de responsabilidade social das quais não podemos prescindir. Hoje, mais do que nunca, somos todos chamados a vigiar como sentinelas por uma vida de qualidade e a tornar-nos intérpretes de um novo protagonismo social, orientando a nossa ação na busca do bem comum e fundando-a sobre os sólidos princípios da solidariedade e da subsidiariedade.

 

Cada gesto da nossa liberdade, mesmo que possa parecer frágil e insignificante, se verdadeiramente orientado para o bem autêntico, apoia-se Naquele que é o Senhor bom da história, e torna-se parte de uma positividade que supera as nossas pobres forças, unindo indissoluvelmente todos os atos de boa vontade em uma rede que liga céu e terra, verdadeiro instrumento de humanização do homem e do mundo. É disto que precisamos para viver bem e para nutrir uma esperança que seja à altura da nossa dignidade de pessoas humanas.

 

A Igreja, Mãe e Mestra, consciente de ter recebido como dom um depósito imerecido, oferece aos homens e as mulheres de cada tempo os recursos para uma esperança confiável. Maria, Mãe de Deus feito homem por nós, tome em suas mãos os nossos corações e os guie na sábia construção daquele bem que seu filho Jesus, mediante a sua humanidade tornada nova pelo Espírito Santo, veio inaugurar para a salvação do mundo (n.34).

 

Leia o texto na íntegra.

 

 

 

Fonte: http://cnbb.net.br/

 

 

Netmidia - Soluções Digitais©2014 - Todos os direitos Reservados a Diocese de Ji-Paraná
Fone: (69) 3416-4203 / 3416-4204
Av. Marechal Rondon, 400 - Centro - Ji-Paraná / RO - CEP: 76900-036
E-mail: [email protected]