Pode a Igreja Católica ajudar os jovens a descobrir como usar as mídias sociais?

Bispos de todo o mundo se reunirão em Roma em outubro para o Sínodo sobre 'Jovens, Fé e Discernimento Vocacional'. Em março, um grupo de 300 jovens se reuniu para criar um documento que ajudasse orientar a conversa dos bispos. Este é o primeiro artigo de uma série por ocasião dos tópicos levantados no documento.

10 de Abril de 2018

 

Por Michael J. O'Loughlin


Rebecca Bratten Weiss conhece o poder das mídias sociais. Elas permitiram que a escritora e estudiosa independente alcançasse um público além de sua comunidade rural de Ohio e se conectasse com outros pensadores católicos que a ajudaram desenvolver suas ideias e estabelecer novos contatos. Ela ainda tem um novo livro sobre poesia, em coautoria com outro escritor que conheceu online. Porém, Bratten também foi vítima dos lados sombrios da cultura digital.

 

A Sra. Bratten Weiss, que escreve no site Patheos, foi por mais de 10 anos professora adjunta da Universidade Franciscana de Steubenville, uma potência do catolicismo tradicionalista. Na corrida para as eleições presidenciais de 2016, Bratten Weiss postou seus pensamentos sobre Donald Trump e desafiou os católicos que o apoiavam. Uma faculdade a questionou sobre suas posições feministas e seu apoio a pessoas L.G.B.T., bem como suas críticas às táticas usadas pela comunidade católica pró-vida. Ela defende “uma abordagem de túnica sem costura[1] e justiça social para a questão do aborto”, que atrai a ira de alguns ativistas antiaborto.

 

 

Um dia, ela foi chamada para uma reunião com seu chefe de departamento e ele disse que não podia mais lecionar na escola, devido às opiniões que havia publicado on-line. Sites como o Life Site News e o Church Militant confirmam a história, neles houve alguns abusos on-line, alguns dos quais continham mensagens racistas e antissemitas. (A Sra. Bratten Weiss se identifica como judeu-católica).

 

A Sra. Bratten Weiss é mais cuidadosa com o que ela publica agora, e mais consciente de que qualquer coisa postada on-line pode ser encontrada por alguém com determinação suficiente.

 

"Eu tento pensar em mim não como uma pessoa privada usando as mídias sociais para comunicação pessoal, penso-me mais em termos de ser uma pessoa pública", disse ela. "Qualquer coisa lá fora está registrada, e você precisa ser capaz de defender isso que fica".

 

Essa atitude cautelosa em relação à mídia social é repetida em um documento recente elaborado com a participação de 300 jovens que se reuniram em Roma no mês passado. O grupo foi encarregado de ajudar a preparar a discussões dos bispos de todo o mundo para uma reunião no Vaticano neste outono sobre os jovens e a igreja.

 

“Embora os avanços modernos na tecnologia tenham melhorado muito nossas vidas, é preciso ser prudente com seu uso”, afirma o documento. O texto, com mais de 7.000 palavras, resume uma semana de discussões e aborda diversas questões, incluindo a fé, a evangelização e os desafios enfrentados pelos jovens, incluindo emprego, família e política.

 

Em uma longa seção, o documento descreve a tecnologia como um mal necessário.

 

A confiança na tecnologia, diz, pode levar ao “desenvolvimento de certos vícios” e lamenta que as empresas de “novas mídias” tenham tanto poder sobre as vidas dos jovens.

 

Quanto à igreja, o grupo quer “oferecer formação aos jovens sobre como viver suas vidas digitais”.

 

“Os relacionamentos online podem se tornar desumanos”, diz o documento. “Os espaços digitais nos cegam para a vulnerabilidade de outro ser humano e nos impedem cultivar nossa própria autorreflexão”.

 

Esses sentimentos ecoam nas palavras do Papa Francisco, mesmo ao descrever a internet como “um presente de Deus”. Ele alertou em um discurso de 2015 na Filadélfia que tornar-se muito absorto nas mídias sociais e outros elementos da vida moderna podem levar a uma "sensação radical de solidão".

 

O Papa Francisco também abordou as mídias sociais em sua encíclica papal de 2015 sobre a criação, a "Laudato Si".

 

“Os meios atuais permitem-nos comunicar e partilhar conhecimentos e afetos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar contato direto com a angústia, a tristeza, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal. Por isso, não deveria surpreender-nos o fato de, a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento”, escreveu ele. “Por essa razão, deve nos preocupar que, ao lado das excitantes possibilidades oferecidas por esses meios, uma insatisfação profunda e melancólica com as relações interpessoais, ou uma sensação prejudicial de isolamento, também possa surgir” (nº 47).

 

Brian Green, diretor de ética tecnológica do Centro Markkula de Ética Aplicada da Universidade de Santa Clara, disse à America que acredita que “as igrejas, pelo simples fato de unirem as pessoas cara a cara, podem contribuir para melhorar ou talvez reduzir esse isolamento".

 

“Uma coisa é olhar para uma tela, olhar para uma máquina, com uma interface eletrônica que tem pessoas muito abstratas do outro lado dela. Realmente estar pessoalmente um com o outro é muito importante”, disse ele.

 

Outros desafios destacados no documento pré-sinodal incluem a ampla disponibilidade de pornografia, especialmente imagens com crianças, bem como o cyberbullying e a perda da memória coletiva.

 

Outras preocupações também se acrescentam, como o alto índice de jovens americanos que usam intensamente as mídias sociais.

Um relatório de 2018 do Pew Research Center descobriu que quase 90% dos jovens de 18 a 29 anos nos Estados Unidos usam alguma forma de mídia social. Mesmo que os jovens expressem algum receio de estar nas mídias sociais, mais da metade diz que seria difícil desistir, uma porcentagem maior em comparação com qualquer outro grupo etário. 

 

O Padre Rob Galea, músico e autor do novo livro Breakthrough: A jornada do desespero para a esperança, é bastante seguido nas mídias sociais. Ele recuou na sua opinião sobre o meu resumo do documento que dizia que a mídia social é um mal necessário. Respondendo a perguntas em e-mail da America com um vídeo do YouTube, o Padre Galea disse que a mídia social é "intrinsecamente boa" e "um instrumento que podemos usar para influenciar a vida de outras pessoas e impactar esse mundo de uma maneira jamais imaginável".

 

"Imagine se Jesus tivesse mídias sociais, o trabalho incrível que ele poderia ter feito e a influência que ele poderia ter tido na vida das pessoas", acrescentou.

 

Ele reconheceu que a mídia social tem suas desvantagens. Por exemplo, às vezes seus críticos apontam para selfies que ele envia para seus mais de 25.000 seguidores do Instagram, enquanto trabalha, afirmando que é um narcisista. Mas pessoas tirando as coisas do contexto on-line é um fato que simplesmente faz parte da vida no espaço digital, disse ele, e o bem supera amplamente o mal nas mídias sociais.

 

“Eu vi vidas mudadas, pessoas pensando e optando por suas vocações através das mídias sociais, pessoas voltando à igreja através das mídias sociais”, disse ele. A chave, como ele disse, é ser autêntico.

 

"Uso as mídias sociais para mostrar às pessoas que sou padre, sim, e opto por viver de forma contra cultural, sim", disse ele. “Mas eu também sou humano. Eu sou um ser humano que luta. Eu tenho lutado toda a minha vida com depressão, não tenho medo de mostrar isso. Eu me esforço para levantar de manhã e arranjar tempo para orar. Eu me sinto feliz fazendo exercício. Há tantas oportunidades para mostrar a humanidade e atrair pessoas para o Evangelho de uma maneira pessoal. Isso é sem precedentes. Jesus costumava fazer isso com seus discípulos, um a um, mas agora podemos fazê-lo com multidões”.

 

Aqueles nos níveis mais altos da igreja também fizeram com que alcançar os jovens nas mídias sociais fosse uma prioridade. E o Vaticano parece decidido a encontrar maneiras de usar a tecnologia para o bem. No início deste ano, ele organizou uma “hackatona”, um evento de três dias com o objetivo de aproveitar o poder da tecnologia para resolver os desafios da migração, fomentar o diálogo inter-religioso e abordar outras questões importantes para a igreja.

 

O Papa Francisco é um dos líderes mundiais mais seguidos no Twitter, até estabeleceu um recorde quando ganhou mais de um milhão de seguidores no Instagram em menos de 24 horas. Ele se reuniu com os chefes das principais empresas de tecnologia, incluindo o CEO da Apple, Tim Cook, há muito tempo, também se reuniu com o CEO de Google, Eric Schmidt e o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, em 2016. Ele até fez uma palestra no TED no ano passado, pedindo “uma revolução de ternura” e exortando as pessoas a se solidarizarem com os pobres do mundo.

 

Green disse à América que a mídia social é uma tecnologia de “uso duplo”, o que significa que ela pode ser usada para bons ou maus propósitos. A chave, ele disse, está em ajudar os usuários a se voltarem para o bem.

 

Os jovens, ele disse, expressam “um receio em torno das mídias sociais em particular, porque eles veem o quanto isso pode ser ruim”. Ele acha que estamos vendo um momento de reflexão em que alguns dos efeitos colaterais do uso pesado de mídias sociais estão enfrentando um analise mais a fundo.

 

"Haverá uma pausa, onde as pessoas olharão e dirão: 'Talvez tenhamos cometido um erro aqui'", disse ele. "Como podemos corrigir esses problemas? Como podemos continuar aproveitando os bons aspectos das tecnologias e como podemos tentar reduzir os aspectos negativos delas? Acho que já chegamos a esse ponto”.

 

Ele acha que a Igreja poderia ser uma aliada natural para ajudar a combater a solidão e o isolamento frequentemente associados ao uso da mídia social - e sugeriu que o Papa Francisco poderia usar sua própria influência "para modelar o bom comportamento nas mídias sociais".

 

"Esta é verdadeiramente uma das questões mais importantes que a igreja enfrentar neste momento da história", disse ele.

 

 

[1] “Seamless garment”: É uma expressão usada no mundo anglófono para se referir à ética do catolicismo e o ensino moral da Igreja, fazendo referência à túnica que os soldados tiraram de Jesus no momento da crucifixão (Jo 19).

 

 


America Magazine - Tradução: Ramón Lara

 

 

 

Fonte: http://www.domtotal.com

 

 

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