Deus marca encontro com a humanidade

Reflexão sobre o Evangelho do 4º Domingo da Quaresma - Jo 3,14-21

11 de Março de 2018

 

Por Adroaldo Palaoro*


“Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito...” (Jo 3,16)


O evangelho indicado para este 4º. dom. da Quaresma nos faz retomar o verdadeiro sentido do Mistério da Encarnação. Pode parecer estranho, uma vez que a liturgia quaresmal nos motiva e nos prepara para viver os mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Mas os “mistérios” da vida de Jesus não estão separados: trata-se de um só e único “Mistério”, qual seja, do “Deus que se humaniza” para redimir a humanidade perdida.

 

O que aconteceu no mistério da Encarnação é algo surpreendente e cheio de novidade.

 

Não só Deus ama radicalmente a sua criatura, senão que se “abaixou” e se fez um de nós em Jesus: a carne é digna de Deus, o mundo é digno de Deus, a Encarnaçãoé a expressão mais profunda de que somos de Deus. Com isso, rompe-se o medo do corpo, o medo do humano, o medo do diferente, o medo do mundo, o medo de sentir e experimentar a condição humana, com sua grandeza e fragilidade.

Ao se revelar Manancial e Fonte de nossa humanidade, não é mais possível crer que o Criador seja nosso rival, mas amigo; não é possível mais aceitar que Ele seja insensível, mas providente; que seja nossa ameaça, mas alívio; que seja nossa diminuição, mas plenitude; Ele não é o “juiz distante” mas o “Deus encontro”, fonte de nossa liberdade...

 

O relato do Evangelho de hoje nos revela a atitude de Deus no seu encontro com o mundo, marcado por uma atitude amorosa.

 

Em Jesus Cristo, nos fazemos conscientes da relação que há entre todos os seres humanos e destes com todas as demais criaturas e com o Criador. Ele não só tornou próximo um Deus cuja essência é encontro (cerne da doutrina cristã da Trindade), mas revelou que o caminho para a plenitude e a transformação humana consiste “entrar no fluxo do encontro intra-trinitário”, fazendo-nos encontro e re-construindo as relações rompidas.

 

Na verdade, Ele chamou o ser humano a sair de seu mundo fechado, de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para expandir-se em direção a um novo encontro com tudo o que existe; tal encontro é o prolongamento do encontro trinitário e concretização do sonho do Reino de Deus.

 

Inspirados no evangelho deste domingo, contemplemos, com o olhar do Deus Amor, nosso mundo fragmentado, vendo as diversidades em conflito que geram o sofrimento, a exclusão, a morte...

 

Entrar no fluxo do “amor compassivo e descendente de Deus” ativa também em nós uma maneira cristi-ficada de ser e de estar no mundo; nossa presença e nossa missão fazem do mundo em que vivemos um lugar transparente, santo e luminoso em Deus. O “amor descendente” nos expande e nos lança em direção ao mundo, à humanidade, nos faz mais universais e nos capacita para sermos “contemplativos nos encontros”.


Na espiritualidade cristã, quem experimenta o encontro com o Deus vivo e amoroso, começa a “ver” os homens e as mulheres no mundo como Deus mesmo os vê. Precisamente por ter-se encontrado com o Deus-Amor, a pessoa torna-se mais “encarnada” na realidade e mais comprometida com os irmãos e irmãs no mundo, sobretudo com os mais pobres, os mais sofridos e excluídos; é aquela que mais se compromete com a justiça e é a que mais desenvolve uma criatividadeeficaz na história, com obras que nos surpreendem.

 

O Tempo Quaresmal nos sensibiliza e nos capacita para nos aproximar do nosso mundo com uma visão mais contemplativa.

 

Como “contemplativos nos encontros”, movidos por um olhar novo, entramos em comunhão com a realida-de tal como ela é.  É olhar o mundo como “sacramento de Deus”; um olhar gratuito e desinteressado, que nos abre a uma atitude acolhedora de tudo que nos rodeia; um olhar que rompe distancias e alimenta encontros instigantes.

 

O(a) seguidor(a) de Jesus não é aquele(a) que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele(a) que, movido(a) por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença do Inefável; o mundo já não é percebido como ameaça ou como objeto de conquista, mas como dom pelo qual Deus mesmo se faz encontrar. O mundonão é lugar da exploração e da depredação, mas é o lugar da receptividade, da oferenda e do encontro inspirador.

 

Para realizar esta nobre missão, não podemos permanecer sentados. Seguir Jesus exige de nós uma dinâmica continuada, um colocar-nos a caminho em direção às margens.

 

A disponibilidade, o despojamento e a mobilidade são exigências básicas.

 

Corremos o risco de viver em mundos-bolha; podemos construir nossa vida encapsulada em espaços feitos de hábito e segurança, convivendo com pessoas semelhantes a nós e dentro de situações estáveis. É difícil romper e sair do terreno conhecido, deixar o convencional. Tudo parece conspirar para que nos mantenha-mos dentro dos limites politicamente corretos. Todos podemos terminar estabelecendo fronteiras vitais e sociais impermeáveis ao diferente. Se isso acontece, acabamos tendo perspectivas pequenas, visões atrofia-das e horizontes limitados, ignorando um mundo amplo, complexo e cheio de surpresas. Muitas vezes “ve-mos” o diferente, mas só como notícia, como o olhar do espectador que sabe das “coisas que acontecem”, mas não sente e nem se compadece por elas.

 

Encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações…; escutar outros relatos que trazem muita luz para a nossa própria vida.

 

Olhar a partir de um horizonte mais amplo, ajuda a relativizar nossos próprios absolutos e deixar-nos impactar pelos valores presentes no outro. Escutar de tal maneira que o que ouvimos penetra na nossa própria vida; isso significa implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas. Acolher na nossa própria vida outras vidas; abrir espaços para que as histórias dos excluídos e diferentes encontrem morada nas nossas entranhas, na nossa memória e no nosso coração.

 

O encontro com o diferente possibilita também o encontro consigo mesmo, ou seja, encontrar a própria verdade. Isso implica em se perguntar pela própria identidade, por aquilo que dá sentido à própria vida, o impulso por viver de uma maneira cristificada, conforme os valores do Reino.

 

Para que haja verdadeiro encontro com o outro, o deslocamento ex-põe quem se desloca, deixa-o vulnerável e “contaminado” pela realidade que encontrou. Quando alguém se desloca e se aproxima de realidades diferentes, é para encontrar,encontrar-se e encontrar Aquele que veio iluminar todo encontro.

 

Como seguidores(as) de Jesus, nosso desafio não é fugir da realidade, mas aproximarmos dela com todos os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, escutar e acolher, percebendo no mais profundo dela a presença ativa do Deus que nos ama com criatividade infinita, para encontrar-nos com Ele e trabalhar juntos por seu Reino. O mundo precisa de místicos(as) que descubram onde está Deus criando algo novo, para proclamar esta boa notícia.

 

É aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu Reinado, trabalhando cada dia como ami-gos(as) de Jesus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os es-forços humanos. Apaixonados por Deus, nos apaixonamos pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, simplicidade, profundidade, fragilidade, sabedoria... nos fala do novo rosto do Deus que buscamos com desvelo. E amando e investigando tudo o que é do mundo, adoramos o Deus que habita em tudo.

 

Texto bíblico:  Jo 3,14-21

Na oração: “Pai de bondade, para descobrir tua proposta original, ensina-nos a contemplar o mundo inteiro com o teu próprio olhar, respeitoso e fiel à nossa realidade”. (Benjamin Buelta)

 

- Evangelizar nossos sentidos, muitas vezes atrofiados e limitados, para que eles sejam mediação cristificada e assim viver encontros verdadeiramente humanizadores.

 

*Adroaldo Palaoro é padre jesuíta e atua no ministério dos Exercícios Espirituais.

 

 

Fonte: http://www.domtotal.com

 

 

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