Igreja próxima e em saída

Ninguém evangeliza impondo conceitos ou doutrinas, mas anunciando uma pessoa – Jesus Cristo – e sua práxis libertadora.Onde houver um ser humano precisando de ajuda ou sendo desrespeitado em sua dignidade de filho de Deus, aí exige a presença do missionário. (Reprodução/ John Carroll)

06 de Outubro de 2017

 

Despertar a cultura do encontro. Ir às periferias humanas e geográficas. Abandonar as “estruturas pesadas e caducas”. Sair da própria comodidade. Mostrar o rosto misericordioso de Deus. Anunciar a Alegria do Evangelho... Eis a nova agenda evangelizadora da Igreja proposta pelo Papa Francisco para superar “o pragmatismo cinzento da vida cotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se deteriorando e degenerando na mesquinhez” (Evangelii Gaudium, n. 83).

 

Desde o Concílio Vaticano II, a Igreja deu um impulso gigantesco no sentido de abrir-se às mais diversas realidades carentes de evangelização. O conceito de evangelização também ganhou um desenvolvimento ulterior e foi associado à questão antropológica e cultural. Tratava-se mesmo de procurar nas culturas as sementes do Verbo que aí já estão presentes e levar em conta as idiossincrasias de cada povo para que o encontro do Evangelho do Reino com novas realidades produzisse o que Jesus e sua práxis produziram no seu tempo: o empoderamento das pessoas por Ele libertadas.

 

Sendo fiel ao seu Mestre, a Igreja passou a ser convidada a realizar em seu corpo o que Ele fez, pois sendo de condição divina não abusou disso, pelo contrário, esvaziou-se e se fez servidor do povo (cf. Fl 2, 6-11). A autêntica missão supõe movimento semelhante, ou seja, ninguém evangeliza impondo conceitos ou doutrinas, mas anunciando uma pessoa – Jesus Cristo – e sua práxis libertadora. Nesta perspectiva de sermos Igreja próxima e em saída, o Papa Francisco conclama o povo de Deus a assumir com ousadia a missão: “Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG, n. 20).

 

Há que se perguntar o porquê dessa ênfase do Papa latino-americano em abandonarmos as estruturas “pesadas e caducas da Igreja”, para abraçarmos destemidamente a missão? Será simplesmente por que a Igreja tem perdido adeptos e quer recuperá-los? Se este fosse o objetivo de Francisco, todo o seu esforço seria em vão, pois seria apenas vestir uma roupagem nova sobre um jeito antigo da Igreja missionar. Seria criar uma nova “cruzada” em tempos modernos, a fim de conquistar mais adeptos para a Igreja Católica. Porém, quando o Papa fala de uma Igreja em saída, uma pastoral com chave missionária, ele está falando do próprio sentido de existir da Igreja. Pois, “uma Igreja que não sai, mais cedo ou mais tarde, adoece na atmosfera viciada de seu confinamento”. Sair é, portanto, a única forma de a Igreja não adoecer e manter-se fiel ao mandato do Senhor: “ide, pois, fazei discípulos de todos os povos” (Mt 28, 19).

Dom Helder Câmara já dizia que “missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso Eu.

 

É parar de dar volta ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo e da vida. É não se deixar bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos: A humanidade é maior. Missão é sempre partir, mas não devorar quilômetros. É, sobretudo, abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los. E, se para descobri-los e amá-los, é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus, então missão é partir até os confins do mundo”.

 

Mas sair de nosso ambiente seguro e confortável é perigoso. Toda saída traz riscos. Quando saímos ficamos expostos, mostramos nossa beleza, nossa força, mas também aparecem nossas fragilidades... Por isso Francisco não tem medo de repetir, “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo seu fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG, n. 49).

 

Quando a Igreja compreende que “as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et Spes 1,1), ela não permanece fechada em si mesma. Pois um coração missionário “nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez autodefensiva. Sabe que ele mesmo deve crescer na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada” (EG, n. 45).

 

Esta Igreja em saída encontra o sentido maior de ser na própria iniciativa gratuita e amorosa da Trindade que em seu amor se volta para o ser humano, a fim de salvá-lo da morte, da opressão e do pecado. Se Deus nos visitou e continua, com a luz do seu Espírito, a guiar o seu povo pelas estradas da vida, a Igreja também não poderá renunciar jamais à sua missão de sair de si mesma e ir ao encontro do outro, seja perto, ou do outro lado do mundo. Onde houver um ser humano precisando de ajuda ou sendo desrespeitado em sua dignidade de filho de Deus, aí exige a presença do missionário.

 

Como afirma o Conselho Mundial de Igrejas (Genebra, 2005) “o lugar das Igrejas é onde Deus está atuando, Cristo está sofrendo e o Espírito está cuidando da vida e resistindo aos poderes destrutivos. As Igrejas que se mantiverem distantes desse lugar concreto de Deus Trino e Uno não podem afirmar que são Igrejas fiéis”.

 

A missão exige, portanto, envolvimento, diálogo e encarnação. “O Senhor envolve-Se e envolve os seus, pondo-Se de joelhos diante dos outros para lavá-los; mas, logo a seguir, diz aos discípulos: ‘Sereis felizes se o puserdes em prática’ (Jo 13,17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até a humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o ‘cheiro de ovelha’, e estas escutam a sua voz” (EG, n. 24).

 

Assim sendo, podemos afirmar que a missão não é um apêndice na vida da Igreja. Pois não somos missionários por uma opção ou desejo próprio, mas por obediência ao mandato do Senhor. Quem fez a experiência do encontro com Jesus não consegue mais viver sem testemunhar essa maravilha a outrem. Ser missionário é, portanto, um imperativo, “ai de mim se eu não evangelizar” (1Cor 8,15) e a nossa obediência radical ao Espírito exige abertura, humildade, sensibilidade para deixar-se interpelar pelo rosto do outro que clama por justiça, cuidado e atenção.

 

“Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário!”


*Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN, Missionário Sacramentino de Nossa Senhora, Licenciado em Filosofia (ISTA), bacharel em teologia (FAJE), com Especialização para Formadores em Seminários e Casas de Formação (Faculdade Dehoniana). Publicou pela Editora O Lutador (2015) o livro “Equipes Missionárias: rosto de uma Igreja em missão”. Trabalha atualmente na Paróquia Santa Cruz, Alta Floresta-MT.

 

 

Fonte: http://domtotal.com

 

 

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