Impactos da lama no corpo e na alma do povo Krenak

Pesquisadores da UFMG mapearam ao menos 14 violações aos direitos humanos.

22 de Abril de 2017

 

Se agricultores, pescadores e mesmo a população urbana ainda sofrem com a destruição da Bacia do Rio Doce, causada pela mineradora Samarco, quais os danos humanos e para o modo de vida de comunidades que possuíam uma relação até espiritual com o rio? Foi o que os pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) procuraram investigar junto ao povo Krenak, que vive às margens do Rio Doce. Embora o estudo não pretenda quantificar as perdas sofridas pela população indígena em função da dificuldade de se mensurar alguns tipos de danos, como valores étnicos e culturais, os pesquisadores mapearam ao menos 14 violações aos direitos humanos.

 

No estudo "Direito das populações afetadas pela barragem de Fundão: povo Krenak", realizado pela Clínica de Direitos Humanos da Divisão de Assistência Judiciária da UFMG, os pesquisadores apontam tanto violações a direitos relacionados aos impactos socioambientais e econômicos até ao direito à propriedade ancestral dos povos indígenas e o direito à manifestação do sentimento religioso e o próprio direito ao acesso à justiça, que vem sendo negligenciado. Diante disso, a situação dos Krenak será levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em audiência já aceita, a ser realizada entre 22 e 26 de maio, em Buenos Aires, na Argentina, o Estado brasileiro será denunciado por sua responsabilidade nessas violações.

 

O desastre proferido pela empresa Samarco, que é controlada pela Vale e a australiana BHP Billiton, inviabilizou o uso do Rio Doce pelos Krenak. Conhecidos também por Aimorés, são os últimos Botocudos do Leste, denominação dada pelos portugueses no final do século XVIII aos grupos que usavam botoques auriculares e labiais. Vivem hoje numa reserva de quatro mil hectares, nas margens do Rio Doce entre as cidades de Resplendor e Conselheiro Pena, em Minas Gerais. A comunidade indígena tinha no rio sua principal fonte de água para consumo humano e animal, pesca e, principalmente, seu elemento sagrado. “O Uatú, como é chamado na língua Krenak, é elemento essencial da identidade coletiva do povo, uma forma de elo entre o passado, o presente e o futuro”, aponta o estudo, que é fruto da parceria entre o projeto Rio de Gente e o Greenpeace.

 

“Para muita gente era só uma água que corria ali, mas para o meu povo era um borum, era um Krenak, um irmão que tomava conta da nossa saúde, da nossa religião, da nossa cultura. E essa empresa maldita que é a Vale acabou o matando. O que mais me deixa triste é que meu povo, ao longo de muitos anos, vinha alertando a sociedade sobre as maldades que estavam sendo cometidas em nosso rio, o Uatú, mas ninguém nos ouviu”, desabafa Shirley Krenak, uma das lideranças da comunidade.

 

Na realização da pesquisa, foram feitas três visitas à comunidade com objetivo de abrir diálogo, coletar dados e avaliar os danos para além da esfera socioambiental e econômica,  considerando, sobretudo, os prejuízos culturais e espirituais, para que, a partir dos resultados, se busque formas de reparação ou compensação. “Os danos espirituais são irreparáveis, porém temos tentado construir e consolidar a memória coletiva em relação ao rio para que essa espiritualidade possa ser reconstruída a cada dia. O rio está morto, mas os Krenak não aceitam que falem que a cultura ou a língua deles morreram, pois são um povo de resistência, de luta”, diz a coordenadora do estudo, Letícia Soares Peixoto Aleixo.

 

Influência danosa


O estudo aponta ainda que até mesmo o acordo emergencial celebrado entre a comunidade Krenak e a Vale para o abastecimento da comunidade com água potável e não potável tem produzido efeitos danosos ao modo de vida coletivo deles, a ponto de a presença cotidiana da empresa no território indígena se tornar uma ameaça à coesão social da comunidade.

 

Além da (des)informação levada pela empresa aos atingidos, observa-se uma expansão vertiginosa de cercas na terra indígena. “Alguns membros das comunidades relataram que esse aumento se deveu especialmente às brigas entre vizinhos em razão do acúmulo de lixo e garrafas PET de água mineral vazias. Narraram que na aldeia não passa caminhão [de lixo] e antes não tinha tanto [lixo]. Alguns lamentaram o aumento das cercas, dizendo que antes “não tinha o meu e o seu, tudo era de todo mundo”, escreveram os pesquisadores.

 

Um longa luta distante do fim


Segundo Letícia, passado um ano da tragédia, as empresas Samarco e suas controladoras Vale e a australiana BHP Billiton não se movimentaram muito, e a justiça é lenta. Por isso, a Clínica de Direitos Humanos também está prestando assistência judiciária e buscando sensibilizar operadores do Direito à causa dessa etnia. “Estamos tentando outras alternativas, como mesas de negociação, acordos paralelos, intervenções em projetos de lei, produção de notas técnicas e até o acionamento de instâncias internacionais, como foi o caso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, conta Letícia.

 

Na Comissão, será entregue uma “Petição Inicial” produzida a partir do estudo, que reúne todas as violações históricas de direitos sofridas pelo povo Krenak. Os problemas da comunidade com a mineração remontam à luta dessa população pela demarcação de suas terras, pois a Vale possui uma linha férrea que cruza as terras indígenas e as separam – a Ferrovia Vitória-Minas. Foi uma luta para que os Krenaks tivessem seu território demarcado, após sofrerem genocídio do colonizador e, posteriormente, agressões físicas e psicológicas na ditadura militar brasileira, passando pela construção da usina hidrelétrica de Aimorés até o rompimento da barragem de Fundão, em 2015. O objetivo é responsabilizar o estado brasileiro por essas violações para que ele, enfim, pressione a Samarco e Vale a repararem o crime que cometeram na Bacia do Rio Doce.

 

“Aprendi a nadar com o meu pai, no Rio Doce. Hoje, resta aos meus filhos nadar numa caixa d’água. Mas essa empresa não vai acabar com meu povo não. Conforme o tempo passa, nos tornamos mais resistentes”, diz Shirley Krenak. 


De acordo com a coordenadora da Campanha de Água do Greenpeace, Fabiana Alves, “o estado de Minas Gerais está tão dependente de mineradoras e omisso nessa situação, que a alternativa é pressioná-lo para não permitir que a ganância pelo lucro continue violando os direitos de povos indígenas”.

 

Enquanto isso, no Congresso brasileiro


Tramitam diversas proposições que objetivam enfraquecer as legislações de proteção ambiental no país. Dentre as mais graves, está a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental. O interesse não é tornar o processo mais efetivo e responsável, apenas mais rápido.


Caso a lei seja mudada para pior, como querem nossos deputados e senadores e boa parte do governo, todos nós estaremos expostos a maiores riscos, afetando de forma direta populações mais vulneráveis, como os Krenak, e alimentando a possibilidade de ocorrência de novos desastres ambientais, como foi o da Bacia do Rio Doce. O maior desastre socioambiental brasileiro deixou um rastro de 21 mortos e arrasou com as esperanças e a vida de centenas de famílias.

 

Do ponto de vista econômico, o enfraquecimento do licenciamento também poderá trazer efeitos negativos, alimentando conflitos sociais e aumentando o número de contestações legais contra empreendimentos, diminuindo a segurança jurídica para investimentos no país.


Greenpeace

 

 

Fonte: http://www.domtotal.com

 

 

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